
Como criar um protagonista?
Se você já se viu empolgado, quase em transe, com aquela ideia de história brilhante e correu para dar vida ao personagem principal… mas quando terminou, ficou uma coisa sem graça, clichê, rasa… Bem-vindo ao clube!
Criar um protagonista é uma das partes mais emocionantes e, ao mesmo tempo, mais traiçoeiras da escrita de roteiros e romances. A gente se apaixona pela ideia, quer despejar nossas próprias vontades ali, colocar nossas crenças, gostos, traumas e esperanças… e de repente não temos um protagonista, mas sim um boneco de ventríloquo. Não é disso que o seu leitor ou espectador precisa. E hoje, vamos resolver isso juntos. Vamos responder, de uma vez por todas, como criar um protagonista?
O protagonista ideal: não é sobre você
Segundo John Truby, autor do clássico Anatomia do Roteiro, o protagonista ideal é aquele que você mais ama. Aquele que tem mais a perder. Aquele que tem o maior arco de transformação, a maior jornada de sofrimento, crescimento e, acima de tudo, conflito.
Enquanto isso, Blake Snyder, em Save the Cat!, nos ensina que precisamos “salvar o gato” logo de cara: o protagonista precisa fazer algo que nos faça amá-lo ou, ao menos, torcer por ele. Mas isso é apenas o começo.
Quando você se perguntar como criar um protagonista?, pense assim:
“Qual personagem é o mais interessante para viver essa história?”
Não é o mais legal, nem o mais parecido com você. É o que vai sofrer mais. O que vai crescer mais. O que vai provocar mais conflito.
Vamos a um exemplo:
Clube da Luta (1999) O narrador (Edward Norton) é um cara comum, entediado, preso em um estilo de vida superficial. A história dele é sobre despertar, se libertar de um sistema e de si mesmo. Colocar um personagem já “acordado” não funcionaria. O conflito desapareceria.

Erin Brockovich (2000) Ela é impulsiva, intensa, fora do padrão. Perfeita para uma história de embate com sistemas conservadores. Se o personagem fosse um advogado comum, a história não teria metade do impacto.
Entendeu a diferença? O protagonista é o motor da história, não um enfeite.
Erros comuns: o protagonista “meu filhinho”
Muitos escritores cometem o erro clássico: criam o protagonista como um avatar de si mesmos. E claro, a gente ama nossos personagens. Queremos protegê-los. Mas Truby nos alerta: personagens muito protegidos se tornam entediantes.
Se você quer mesmo saber como criar um protagonista?, esteja disposto a fazer ele sofrer. Deixe ele errar, se contradizer, ser incoerente, ser fraco, depois forte, depois fraco de novo. É isso que os torna humanos.
Eles precisam ter:
Um desejo (o que ele quer mais do que tudo no mundo)
- Esse é o motor da sua história. O desejo é o que empurra o protagonista para frente, o que faz com que ele tome decisões e cruze portas sem volta. Pode ser um objetivo claro como vencer uma competição, encontrar alguém desaparecido ou salvar o mundo — mas o mais importante é que ele realmente queira isso com toda a alma. É essa força que o coloca em movimento.
Uma necessidade (o que ele precisa, mas ainda não sabe)
- Enquanto o desejo move a história para fora, a necessidade move a história para dentro. É algo mais sutil, emocional, muitas vezes inconsciente. A necessidade está ligada à falha do personagem, ao que ele precisa aprender ou corrigir para crescer. Ele só alcança a necessidade quando muda de verdade. Sem isso, a história pode até terminar em ação, mas não em transformação.
Uma falha (o que o impede de conseguir o que precisa)
- A falha é o que gera o conflito interno e externo. Pode ser orgulho, egoísmo, medo, raiva, descrença. E o interessante é que ela se agrava com o avanço da história. Se ele é ganancioso, ficará mais ganancioso antes de perceber que precisa se tornar alguém simples. Se não acredita no amor, vai se afastar ainda mais dele antes de se entregar. É essa falha que precisa ser corrigida no clímax para que o arco de transformação se complete.
Um arco de transformação (o que muda nele até o final)
- O arco de transformação engloba tudo isso. É a jornada de dentro para fora. Não ficamos ouvindo o personagem pensar sobre isso — a mudança é vivida, sentida, mostrada em ações, decisões, perdas e conquistas. O espectador ou leitor presencia essa transformação através da experiência. Quando bem feito, a mudança parece inevitável, mas não previsível. E isso é magia pura na narrativa.
E principalmente: uma opinião própria sobre o mundo.
Protagonistas que funcionam: exemplos reais
Vamos ver como isso aparece em obras que você provavelmente conhece:
Ratatouille (2007) Remy, o rato cozinheiro, tem um sonho aparentemente ridículo: ser chef. Mas isso entra em conflito com sua espécie, com sua família, com a sociedade. Conflito puro. Arco profundo.
Cisne Negro (2010) Nina começa controlada, frágil, perfeccionista. Vai se transformando até se despedaçar. Esse é o arco.
Homem-Aranha: No Way Home (2021) Peter tem que aprender, a duras penas, que “com grandes poderes…” Você sabe. E a dor molda seu crescimento.
Esses protagonistas foram moldados para viver aquela história. E é isso que você deve buscar.
Como criar um protagonista? Comece com perguntas
Antes de tudo, sente com seu personagem e entreviste ele. Literalmente. Pergunte:
- O que você quer?
- Por que você quer isso?
- Do que você tem medo?
- Qual a sua maior ferida?
- No que você acredita que é mentira?
Agora reflita: essa pessoa é a melhor para viver a história que você quer contar?
Se sim, você tem um protagonista.
Exercícios práticos de criação de personagem
1. Carta de confissão: Escreva uma carta do seu protagonista para ele mesmo, confessando algo que nunca contou a ninguém. Pode ser um medo, um arrependimento, uma paixão. Isso vai te mostrar o que ele esconde.
2. Jantar com o antagonista: Imagine seu protagonista jantando com o maior inimigo da história. Como ele age? Se controla? Fica nervoso? Brinca? Isso mostra quem ele é sob pressão.
3. O teste do espelho: Coloque seu personagem diante de um espelho. O que ele vê? O que ele nega? O que gostaria de mudar?
Esses exercícios te ajudam a descobrir o “coração” do personagem. E um protagonista com coração se conecta com o público.
Conclusão: o protagonista perfeito é imperfeito
Então, da próxima vez que você sentar pra escrever e se perguntar como criar um protagonista?, lembre-se:
- Não é sobre você. É sobre o conflito.
- Ele deve ser a melhor pessoa para viver aquela história.
- Deve ter um arco. Deve mudar.
- Precisa ter vida própria, opinião, defeitos.
Criar protagonistas marcantes é um processo de empatia, análise e coragem. Coragem de deixar seu personagem sofrer, cair, quebrar. Porque é assim que ele se levanta. E é assim que ele toca o coração de quem está assistindo ou lendo.
Se quer saber ainda mais sobre criação de personagem, dá uma olhada no nosso post sobre O Caminho para El Dorado. Acredite, tem muito a aprender sobre o assunto com esse filme.
Agora vai lá. Seu protagonista está esperando você dar vida a ele. Aqui, é roteiro na real
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